segunda-feira, 1 de julho de 2013

2013 0.5: O que gostamos até agora

E aqui está nossa tão esperada (cof cof) lista com uma seleção de discos dessa primeira metade de 2013. A lista tem um aspecto "overlooked", focando em discos que não exatamente são os nossos preferidos em um ranking, mas que achamos dignos de atenção - alguns destes aqui receberam a atenção devida pelas grandes críticas, eu sei, mas vale a citação de qualquer forma, afinal, estamos falando do que gostamos. Dez discos para cada membro do blog, em ordem alfabética (ranking só no fim do ano!), cada disco com um pequeno (ou não) comentário feito por quem o escolheu. Sem mais enrolação, confira abaixo.



Danilo Bortoli

Cassie
Rocka Bye Baby
Quando Cassie despontou em 2006 com o álbum homônimo e o single “Me & U”, a obra dela logo sofreu um processo de adoração cult dos fãs. Era só o início da militância que o popismo iria causar em relação aos singles e à crescente desvalorização do álbum enquanto formato. Assim, o backlash foi grande o bastante para Cassie ter nenhuma outra sequência ao álbum de estreia além desta mixtape aqui, RockaByeBaby. Nada mais além de alguns singles (excelentes por sinal). Por isto, é surpreendente o que Cassie encontra aqui depois de muito tempo descompromissada com um formato desses: um equilíbrio entre o R&B que ela mesmo praticava em 2006 e, em alguns momentos, o rap. A maior razão por esta mixtape estar aqui é que ela funciona como um aviso do que pode vir, seja em “Paradise” em que ela arrisca alguns versos, ou “I Love It”, que a encontra num minimalismo conservador: é como ver em tempo real a transformação de Cassie de coadjuvante de uma cena escassa da década passada para uma possível protagonista dentro de um cenário que ela própria ajudou a inventar. E, finalmente, ela está de volta e só há o que comemorar.


Dawn Richard
Goldenheart
Criar uma identidade, pelo menos para a Dawn do disco, significa acreditar numa fantasia pop. Muito de Goldenheart, senão tudo o que é apresentado, é acerca da fantasia do feminino e o poder dele sobre o “amor”, um tema tão abstrato aqui que ganha um significado religioso dentro do disco. Acreditar em Richard e no quão bom é Goldenheart é, em parte, ceder às estratégias que ele usa: Dawn entra em uma epopeia que faz, com razão, que tudo o que foi dito sobre o Danity Kane virar piada. Mesmo assim, o que é mais surpreendente é que Goldenheart atualiza ainda mais os conceitos do limite do R&B. Dawn cria aqui um crossover perfeito ainda que não haja um single perfeito para que o disco sai do “círculo crítico”. Como todo disco de R&B que mire no pop, tudo é maximizado: as dificuldades do amor viram guerra literalmente (“Riot”) e a superação ganha teor real (“Return Of A Queen”). E há, claro, dubstep (“Pretty Wicked Things”). O pior que pode acontecer a Goldenheart é ele virar um clássico cult, algo que temo já estar acontecendo. Algo como o ano de 2007 foi para Britney. Ainda que haja faixas esquecíveis (o máximo que vem agora é “‘86”), o debut de Dawn é muito como a vitória do crossover do R&B feito do modo mais digno. É como ela diz na melhor faixa do disco da forma mais esperta possível: “you will never see the break of Dawn”.


Jon Hopkins
Immunity
Penso nisto mais do que eu deveria estar pensando no assunto, mas a minha relação com a música eletrônica chegou num nível de racionalização extremo. Defendo a tese de que o processo de repetição no mundo eletrônico se deve a um tipo de motivação corporal, exterior. Não há o imaterial, o interior. Há uma necessidade de expressão irracional que, quando muito bem executada, acaba implicando na catarse. A questão, finalmente, aqui é que eu ouço muito desta necessidade de exteriorização em Immunity, álbum de Jon Hopkins. Seja por que ele ainda tenha o mal de ser resguardado sob o termo de “IDM”, uma tag um tanto quanto duvidosa no mínimo, seja por que ele ficou por anos nos bastidores da música, Immunity tem tudo para ser incompreendido: sim, ainda há pianos que tentam a todo custo conviver em harmonia com o ruído do desgaste analógico. Sim, há o eco de Aphex Twin (sim, chega) -- ou melhor: a programação do Oval em “Do While”. Mas Immunity é físico e corporal demais (“Breathe This Air”, “Collider”, “Form by Fireflight”) para ser levado apenas como um disco conceitual. Jon Hopkins quer entrar no mundo real e, acredite, ele consegue.


Local Natives
Hummingbird
Hummingbird é o registro em tempo real de um grupo que ainda não sabe como seguir em frente. O senso melódico da banda está ainda mais apurado aqui, talvez graças à presença de Aaron Dessner. Não há mais explosões de euforia, mas aprofundamentos de estados de espírito através de táticas sonoras aplicadas minuciosamente. Hummingbird, portanto, é um disco cuja complexidade nunca é totalmente percebida por causa de sua sutileza que, mesmo perdida em momentos como “Breakers”, nunca soa como uma afronta. Isto porque a força de um disco dos Local Natives está no fato de eles não tratarem a beleza de uma canção como um produto da melancolia, como diversos compositores sempre fizeram, mas tratarem a beleza como um fim para um meio. “Aqui está. Agora veja-o” é um mantra para eles. Em “Colombia”, a penúltima faixa do disco (que poderia muito bem encerrar tudo), Ayer explica tudo: “A hummingbird crashed right/ In front of me and I understood/ All you did for us”. É um movimento que pode parecer arriscado, já que um disco inteiro fica pairando sobre uma metáfora. Uma única relação. Hummingbird é, portanto, um disco acerca de uma revelação que, mesmo com tudo a seu favor, não consegue mudar nada. É o mesmo conceito que os Local Natives trazem consigo: não há real progresso em Hummingbird. É mais uma questão de aprofundamento de influências e saber o que fazer na próxima oportunidade. É a perfeita crônica da entrada para uma vida adulta.


Marnie Stern
The Chronicles Of Marnia
Marnie Stern fez noise rock parecer uma piada, começando pelo título do álbum, que compartilha do mesmo senso de humor campeiro de um Four The Record, de Miranda Lambert. Essa observação é importante, já que, em Chronicles, Marnie elava tudo ao máximo: de dúvidas existenciais a positividade, passando pelas guitarras, tudo está no extremo. Incluindo o humor que ela consegue extrair das exclamações que logo passam a súplicas, provavelmente causadas pela obsessão por algo ela procura ao longo do disco todo. No novo álbum ela fica clara: “Don’t you wanna be somebody?”, ela pergunta, de novo numa crise existencial, em “Noonan”. Segundos depois, ela está em “Nothing Is Easy”. A alteração de visão de mundo é palpável, e é isso que dá vida a Marnie. Fazer barulho é fácil, mas contextualizá-lo (que é o que ela faz aqui) é mais digno de nota.


Paramore
Paramore
“Still Into You”, segundo single do álbum autointitulado do Paramore, é uma anedota perfeita para tudo o que aconteceu com a banda nos últimos dois anos e, ainda, resume bem o disco. Até porque une o que foi colocado nos últimos dois álbuns deles também: há o que eu admirei em Riot! (“Misery Business” é ainda uma das melhores canções que eles já escreveram) e em Brand New Eyes, “The Only Exception”. Mas a anedota só toma mesmo forma quando se reconhece que tudo poderia ter acabado simplesmente por exaustão. Essa é a leitura mais real de “Still Into You”, a leitura que diz respeito ao fã. Mas eu consigo imaginar o single em questão funcionando dentro do álbum, que é um retorno triunfal e, que, como todo álbum homônimo, sofre de uma crise de autoafirmação. Interludes, faixas que retomam umas às outras, coisas que Hayley Williams nunca viu e muito menos os ouvintes. O que é de se apladuir de qualquer forma. Eu reconheço isto. Mas o que eu mais admiro é a forma com que o álbum toma o objetivo pressuposto dos autointitulados, que é mostrar a si mesmo para que veio, e troca esta mensagem por um fim da adolescência muito bem ensaiado e narrado. E o mais inesperado: poderia ter saído da sua banda de vitrine de shopping favorita. Certo, nem tanto, até porque isto seria uma ofensa a eles e para muitas pessoas decentes.


Pistol Annies
Annie Up
Primeira observação: este não é um Hell on Heels não pelo simples fato de toda a raiva ter sumido. Este não é um Hell On Heels porque elas, agora, têm outras ferramentas para criticar a família americana, começando por uma apologia às drogas (“Hush Hush”), que ainda não sei explicar como virou um hit tocando nas rádios americanas sem nenhuma reclamação. Talvez isto explique que o verdadeiro dom delas esteja nesse diálogo irônico da família americana, que utiliza a mesma polidez dela para atacá-la. E com o mais importante: sem nunca perder a compostura.


Tegan And Sara
Heartthrob
É interessante ressaltar aqui que é difícil encontrar duplas que, mesmo depois de mais de dez anos depois, ainda conseguem espaço para melhor de disco em disco -- de forma progressiva. Não posso dizer que aqui, em Heartthrob, elas encontraram a perfeição entre songcraft e catarse (dois pilares que considero essenciais no pop), mas este é um álbum que soa como autoterapia. É diferente. É usar as mesmas táticas de sempre para um outro objetivo. Como expliquei em outro lugar em outro momento, Heartthorb pode muito bem se encaixar na categoria de música pop que se parece com uma revelação, o tipo que educa e motiva ao mesmo tempo. E isto é um dos melhores tipos de elogio que eu consigo dar a um disco em 2013.


Torres
Torres
Torres é Mackenzie Scott, uma cantora e compositora de Nashville. “Torres” vem do sobrenome de seu avô como ela explicou recentemente. Isto ajuda a entender como o álbum autointilulado é tão evasivo e inacabado nos detalhes. São amores desconhecidos, personagens que não são apresentados apropriadamente, tudo que parece fazer parte de uma mente que quer proteger a si mesma. O resultado poderia muito bem ser um álbum que beira à inexpressão, mas, Scott (melhor: a Torres que ela acaba inventando mesmo sem admitir isto) consegue cativar um tipo raro de confissão com o ouvinte: a confissão que consegue se firmar sem maiores detalhes com a confiança no que está sendo dito no momento.


Vários Artistas
After Dark 2
Há inúmeras razões para admirar a Italians Do It Better. Uma das melhores, recentemente, tem sido a coletânea After Dark, que junta a produção da gravadora conhecida por seu papel de protagonista no revival do italo disco, mais explicitados no Chromatics e no Glass Candy. Querendo ou não, After Dark 2 carrega a sensação não de um revival, mas de ter sido criado legitimamente através do foco criativo que foi o disco italiano. Menos como o revival de algo, surge uma reinterpretação de um momento. Essa leitura, a de que o After Dark 2 faz não é somente uma reintrodução do que foi feito por algumas mentes seletas há trinta anos, é provada pelo Glass Candy de “Warm In The Winter”, a abertura e a melhor da compilação. Como abertura, é perfeita: sintetiza toda a proposta do selo. Mas a parte mais interessante chega lá no meio e nós percebemos que “We love you!” pode ser o verso menos sombrio de todo o disco.



Felipe Reis

Atom TM
HD
Usando electro oitentista e glitches, o produtor Uwe Schmidt faz uma paródia-pop imersiva e divertida em HD. Esse é um álbum que ri do pop (“Gaga, Justin Timberlake, give us a fucking break”) ao mesmo que tempo que faz parte dele, ainda que de sua forma torta e com suas estruturas não tão convencionais. Claro, temos o funk-hipnótico de “I Love U (Like I Love My Drum Machine)” que carregado pelo vocal de Jamie Lidell é o ponto mais alto e acessível do disco, mas o resto cumpre sua função de ser absurdo e bem humorado com uma sonoridade que é relativamente fácil de assimilar. O título dessa faixa, a propósito, revela mais sobre o disco do que se imagina: ele se constrói numa atmosfera completamente meta, onde se fala de drum machines usando o som de drum machines e se critica os clichês fazendo um remix glitch e corrosivo de “My Generation” do The Who. Com HD é impossível não dar razão ao Atom™, o mundo precisa mesmo se abrir para mais esquisitices como essa e deixar um pouco de lado o pop imperialista.


Blue Hawaii
Untogether
A doçura eletrônica de Untogether e seu clima vagaroso pode render comparações à “chillwave”, conexões com o pop tropical do balearic, categorizações em “música inocente com laptops” e coisas do tipo, mas essas são conclusões superficiais de um disco que lá no fundo tem muito mais a oferecer. Não que essas estruturas e esse ar caloroso não sejam agradáveis, eles são e formam a base de um sólido disco. Só que o que impressiona no Blue Hawaii é a capacidade de manter essa atmosfera mesmo com tanta tensão no ar. A capa e o nome do disco não são por acaso: ele foi feito aos pedaços, com cada membro do duo separadamente construindo os sons e modelando as canções, sem saber qual seria o resultado final. Fica então bastante claro porque a sensação ao ouvir faixas como a abertura “Follow” e o ápice “Try To Be” é a de ausência, de uma desconexão dolorosa, como se essas fossem as canções de ninar para sujeitos que foram separados à força de seus grandes amores. Por trás de uma voz doce e de batidas ensolaradas existe uma solidão descomunal, esse paradoxo estrutural é o que faz de Untogether um registro tão bonito e comovente.


Cakes Da Killa
The Eulogy
Nesse um ano e pouco de “queer rap”, a tag bastante generalizadora que une rappers que fazem coisas completamente diferentes pelo simples fato de serem gays (e expressarem isso na música), tivemos hits fabulosos: o grime hipnótico de “Wut”, o horror-vouge de “Ima Read”, metade de tudo que o Mykki Blanco já fez. Mesmo com esses hinos memoráveis, faltava um disco coeso que se justificasse do início ao fim, e é aí que o The Eulogy entra como um dos momentos mais impactantes desses primeiros seis meses. Cakes Da Killa pode não ser o mais “avant” de todos do pseudo-nicho, mas ele compensa a produção um tanto tradicional (street beats e até uns momentos sutis de boom bap) com um flow impecável e uma expressividade deliciosamente chocante. Ele toca nas feridas muito mais do que Blanco e seu travestismo, é o rapper que sem medo algum fala as maiores obscenidades do jeito mais divertido possível, dando forma a um disco para quem não tem medo de ouvir expressões como “finger fuck my asshole” e versos no nipe “bitch I wanna fuck your boyfriend”. O humor obsceno é a via para a genialidade de Cakes, pode ser algo que faça os mais puristas torcerem o nariz, mas há de se admitir que é preciso muita criatividade para parafrasear Frank Ocean e não soar forçado, transformando “I’ve been thinkin bout you” em “I’ve been thinking bout dick” sem que o humor e a energia se percam.


Clipping
Midcity
Alunos do Public Enemy, do Death Grips e do Dälek, o Clipping é um trio que elitiza o jeito atual de fazer hip hop em nome de uma sensação desconcertante, que impressiona por seu lado corrosivo e sua crueza extrema. Diferente dos mestres, no entanto, eles constroem esse mundo danificado com a subtração de sons ao invés de um clash digital de várias coisas ao mesmo tempo (o que o Death Grips faz de uma forma surreal). Aqui o rapper Diggs se apropria do clima violento-cool do mainstream (drill rap, A$AP e cia) para rimar rispidamente sobre sua auto afirmação e narrar mais violência, coisa que cai como uma luva na produção seca do álbum. Os produtores podem não juntar uma infinidade de sons, mas com uma paleta reduzida provocam um estrago sonoro irreparável, colidindo os versos com sons de feedback, distorções ruidosas e colagens sonoras abstratas. O resultado é um álbum de rap moderno que poderia ter sido feito pelo Merzbow. Tudo isso conta pontos, mas o Clipping vai muito além da pura construção estética e se estbelece nos tímpanos por uma razão bem simples e importante: eles colocam tanta energia em desmontar o sistema que torna-se impossível não parabenizá-los por isso.


Dean Blunt
The Redeemer
O Hype Williams (Dean Blunt & Inga Copeland) é uma das peças mais estranhas do underground dos últimos anos. Assim como Ariel Pink, eles se apropriam do pop radiofônico de décadas atrás para pavimentar um novo universo irônico e hipnagógico. A diferença do que eles fizeram mora na expressão dessa apropriação: mais próximos de um James Ferraro do que de um John Maus, eles recriam o pop sem o pop, orquestrando uma estranheza sarcástica que dificilmente consegue ultrapassar o viés conceitual. Se é uma piada com os dogmas do pop (na linha Captain Beefheart ou Residents), é uma incapaz de fazer rir pela falta de humor e excesso de academicismo. O que me cativa em The Redeemer, último disco solo do Dean Blunt, é exatamente o distanciamento dos valores que cercavam o trabalho com sua parceira. Aqui existe uma preocupação em fazer música realmente pop; alienígena, confusa, enevoada, mas sem dúvidas preocupada com a forma e com a catarse sentimental. Entre orquestrações, batidas lo-fi, samplers e guitarras melancólicas, o compositor faz um disco de break up irreverente, tornando a dor mais tangível ao unir a tensão do instrumental com versos que expõem uma alma dolorida – “so call me when your heart is empty, so happy we can still be friends”. Ao se desarmar da piada conceitual boba, Dean Blunt se revelou um excelente e solitário maestro pop: um Arthur Russell da pós-internet.


Ghostface Killah
Twelve Reasons To Die
Desde Fishscale (2006) não tinhamos um disco realmente incrível do mais produtivo membro do Wu-Tang Clan, o sempre ríspido nas rimas Ghostface Killah. Tanto tempo depois é bom vê-lo se reinventando e, para a surpresa de todos, fazendo mais um disco digno de atenção do começo ao fim. Twelve Reasons To Die tem muitos méritos, o rapper e seu ritmo insaciável figurando entre eles, assim como sua expressão virtuosa e seu estilo afirmativo (“I’m black on the outside and black within” ha!). Ainda que o rapper mostre que ainda tem muito vigor e dá conta do recado, a grande estrela do disco é mesmo a produção que ficou inteiramente nas mãos de Adrian Younge - com um caminho estabelecido em mente, ele criou uma soundtrack fantasma do Ennio Morricone para um filme do Dario Argento que se passa num universo de blaxploitation. O clash de referências irreverente é exatamente aquilo que esperamos dele: sanguinário, aterrorizante, enérgico, tenso e imensamente divertido. Em suma, é um disco que carrega em sua essência as mesmas virtudes dos melhores discos do Ghostface: inventividade caminhando lado a lado com acessibilidade, estilo e diversão.


Jenny Hval
Innocence Is Kinky
Se você ouviu Viscera, de 2011, deve se lembrar do verso que abre o disco: “I arrived in town with an electric toothbrush pressed against my clitoris”. Esse momento cáustico no meio de uma odisseia avant-folk representa a essência da Jenny Hval: tudo que ela faz é de cunho tão transgressor quanto intimista, como se abrisse seu diário e lesse em voz alta os trechos onde revela seus mais obscuros desejos sexuais. John Parish como produtor torna a música de Jenny mais tangível em Innocence Is Kinky - no processo fazendo ela soar muito como uma PJ Harvey academicista, acontece - os drones, noises e distorções ganham contornos pop através de melodias de blues sem que isso tire o aspecto cru tão essencial para fazer a confissão da artista funcionar. Se existe o risco da obra soar vulgar por seu lado transgressor e assumidamente feminista (assim como qualquer performance art envolvendo vaginas, por exemplo), a artista passa longe de atingi-lo, mantendo o foco em expressar seus sentimentos densos, raivosos e sutis, ainda que eles se conectem com atitudes como admitir que noites são usadas para ver pessoas transando na internet. "I feel desire, one I don't know, one I don't own", é o apelo intimista da confissão que conquista mais do que a confissão em si ou a construção conceitual da obra, no fim das contas.


Miles
Faint Hearted
Em seu debut, Faint Hearted, Miles Whittaker nos apresenta uma visão mais abrangente e corrosiva do seu trabalho no duo all-things-dark Demdike Stare. Assim como os recentes (e ótimos) singles da série Testpressings do duo, que dão tons mais vividos à estética por eles formada nos outros trabalhos, o som de Faint Hearted catalisa várias referências dos últimos 20 anos de música eletrônica e dá origem a um produto que soa coeso apenas pela atmosfera violenta e sombria. “Lebensform” abre o disco e deixa claro que o produtor não está para brincadeira, é uma assombrosa e corrosiva união de techno e noise, com uma construção progressiva que pouco a pouco vai provocando claustrofobia no ouvinte. Pode não haver outro momento tão visceral quanto a abertura, mas o clima opressor é continuado no minimalismo-Kompakt-danificado de “Status Narcissism”, no dub-caótico de “Archaic Thought Pattern 1” e nos ambient drones que embalam as faixas finais do disco. Música eletrônica que não tem o propósito de ser pacífica ou fácil, mas que mantém estruturas envolventes e nunca parte para o terrorismo sonoro per se, esquecendo de expressar um clima ou sentimento em meio ao caos desconstrutivo – Faint Hearted é o tipo de disco que deveria servir de lição para um exército de sound designers incapazes de sair de seus próprios mundinhos inacessíveis.


The Embassy
Sweet Sensation
É curioso notar como a banda que deu o pontapé inicial à rebuscagem do balearic (que foi um estilo em alta lá na transição dos anos 80 pros 90) é uma das que menos recebe atenção no nicho. Graças a esses suecos, lá na primeira metade da última década, que hits de verão do Tough Alliance ou do Delorean puderam ganhar vida mais tarde. Sweet Sensation é apenas a segunda obra do nada prolífico duo, mas é a prova de como eles não desperdiçam notas, de como ficaram calados todo esse tempo exatamente porque sentiam que nada tinham a dizer. Quando eles têm palavras para proferir, no entanto, as escutamos na forma de um pop ensolarado, vagaroso e extremamente bem cuidado – das batidas house que criam as bases de “Roundkick” aos riffs de guitarra de “Related Artist”, podemos sentir como eles se preocupam em colocar cada elemento em um local exato da canção, para potencializar a produção a enriquecendo sem deixar de lado o clima chill out que marca a estética desse tipo de pop. Assim como todas as boas obras que se apoiam nesse clima caribenho psicodélico, esse é um verão eterno que invade sem pedir licença - com a vantagem de vir das mãos de quem mais sabe sobre o assunto.


Unknown Mortal Orchestra
II
Enquanto alguns compram a picaretagem do Foxygen que sobrevive por alguns raros momentos de expressividade (o romantismo cafona de “San Francisco” e a ironia de “No Destruction” com seu “you’re not in Brooklyn anymore”), eu prefiro idolatrar pequenos (porém belos) discos como essa segunda obra do Unknown Mortal Orchestra. São apenas amantes do bom e velho rock psicodélico que se aproveitam da crueza da produção noventista (se a Elephant 6 ainda existisse, esse disco estaria no catálogo), eu sei. Mas assim como o Tame Impala, eles constroem com as guitarras e com os versos uma música pop sincera e que passa muito longe daquela sensação Instagram, do filtro barato que tenta criar beleza através de um rústico artificial. Da viagem astral de “Monki” ao início calmo e caloroso de “From The Sun”, a virtude do disco está na capacidade que ele tem de se conectar com os outsiders românticos que ainda tem tempo para admirar canções embaladas por guitarras numa era em que sintetizadores e samplers chamam mais atenção. Se um verso como “so good at being in trouble, so bad at being in Love” não te covence, certamente II não vai te agradar. Ainda assim, essa é uma afirmação de como uma boa canção ainda é o que ganha os corações dos amantes do pop.



Pedro Primo

Bibio
Silver Wilkinson
Em 2013 você ouvirá poucos discos tão tristonhos quanto Silver Wilkinson. Mas não se apresse a enxergar no disco uma mastigação banal de dores da alma. A ideia central - bastante avivada pela capa - é transformar a tristeza numa fonte única de beleza. Não é na autocomiseração que o compositor busca suas poesias; a questão é mais pontual: para servir a arte, toda tristeza será perdoada. O disco funciona como uma dedicatória muito simples a uma tradição de compositores de música delicada e espacial (pense aí numa mistura de Nick Drake com Boards of Canada). As canções são narradas do ponto de vista de um personagem que tem perfeita consciência da sua discrição e mediocridade; mas que insiste em permanecer o último dos românticos.


Bonobo
The North Borders
Eu não vou recomendar The North Borders para você que está esperando o disco novo do Four Tet. Você irá se decepcionar. É que o Bonobo escreve sobre uma base tão familiar que é impossível não cair em territórios conhecidos. No entanto, se em outros discos o cara acaba traindo as próprias intenções, aqui o seu arsenal nunca vitimiza o som: são arranjos de cordas (alô Flying Lotus), vocalizações, drum n’ bass, Erykah Badu e o escambau. Ele copia tudo que aconteceu ano passado. Você pode encarar como oportunismo, eu vejo como uma síntese objetiva dos sabores da temporada.


DJ Rashad
Rollin'
Rashad surgiu como um expoente do footwork nas costas de uma ótima mixtape soltada no começo do ano passado (além do disco de 2010, que já enaltecia algumas de suas profusões). Rollin’ funciona como uma tradução das mesmas ambições frenéticas e esquizofrênicas de Teklife, numa embalagem que não assustará o fã mais taciturno do Burial. Mesmo que a percussão ainda fuzile como um marca-passo quase massacrante, as melodias parecem ter sido escritos depois de uma sessão de A Felicidade Não Se Compra (filme de 1943 dirigido por Frank Capra). O resultado é um dos lançamentos mais iluminados de 2013, radicalmente belo.


Dorgas
Dorgas
Entre os que acompanham a música nacional assiduamente, é comum ouvir reclamações sobre como as bandas brasileiras surgem com boas ideias, boas canções, mas com uma produção que acaba por desmanchar toda a pompa. O disco de estreia do Dorgas em momento algum sofre desse mal. Do princípio ao fim temos um construção tanto melódica quanto atmosférica que remete ao conceito do álbum: uma espécie de chillwave maconhada com tiques de Wild Beasts. A produção acompanha de perto adocicando as percussões e permitindo com que os vocais se misturem com o restante dos elementos. E – é legal lembrar – trata-se de um disco deveras bem humorado. E se tem uma coisa que realmente falta nesse país são artistas descontraídos. Sem falar que tem Viratouro, uma das músicas mais bonitas do ano.


James Blake
Overgrown
“As we lay nocturnal” repete Blake na parte central de I am sold, e depois completa: “speculate what we feel”. Se há algo de magmático na música do britânico é essa capacidade de simular madrugadas, de colocar o narrador como um objeto da noite. Se por um lado o disco escorrega nas ambições (rap sombrio, sério Blake?), na criação de um ambiente, Overgrown talvez seja mais forte do que o disco de estreia (esse uma obra-prima). Blake se coloca na posição de rei da insônia, como se soubesse de tudo e de todos: “I’ve seen the picture of every life and the day they die”. Se antes tínhamos os cacos de um música embrionária, agora temos um som contemplativo, às vezes pop, às vezes completamente invasivo. Não queria ser o primeiro a dizer isso, mas vamos lá, tem momentos que tenho a impressão de ouvir músicas de academia para mortos-vivos.


Kurt Vile
Wakin On A Pretty Daze
Antes de sair com Wakin on a Pretty Daze, Kurt Vile gravou um disco (Smoke Ring for My Halo) e um EP (So Outta Reach) que pareciam ter sido escritos por um sujeito que achou uma brecha de quinze minutos entre sua preguiça mórbida e uma vontade de expressar essa mesma preguiça. Daí que o disco novo soa como se ele tivesse conseguido finalmente levantar do sofá e dar uma rápida volta num dia de sol. Arranjos arejados, longos solos de guitarra sobre tons pastel, percussões mais dinâmicas. As letras, por outro lado, ressaltam como até os objetos inanimados tem mais energia e vida que Vile (“Phone ringing off the shelf, I guess it wanted to kill himself”). Na estreia ele dizia que não queria desistir, mas queria meio que descansar um pouco. Wakin on a Pretty Daze reflete essa batalha interna do compositor por não largar as melodias morosas (até dóceis), ao mesmo tempo em que sede espaço para uma vontade mais rica.


Nosaj Thing
Home
Home não é o disco mais confiável de 2013. Pelo contrário, é um disco que remenda várias ideias de eletrônica que já cansamos de ouvir. Mas acho que é interessante dar uma chance ao disco e perceber como Nosaj se apropria de cada um desses clichês e faz canções que soam como curtos-circuitos, isso até o momento que congelam no ar. Alguns podem acusa-lo de abusar do slow-motion, mas é perceptível como o DJ tem tudo sobre controle: o momento que a melodia cresce, o vocal canta, o vocal murmura. É um álbum dentro dos padrões, mas poucos discos soaram tão idiotamente belos no princípio do ano.


The Flaming Lips
The Terror
Assisti ao show do Flaming Lips no Lollapalooza de 2013 em São Paulo. O que eu vi no palco foi exatamente o que Wayne Coyne resmunga no começo de You Lust: “You got a lot of nerves, a lot of nerves to fuck with me”. Desde o fim dos anos 90, a banda se tornou uma espécie de afronta aos nossos ouvidos. O conforto existe (Coyne é um sujeito de vontades até bem simples), mas não sem uma capacidade insana de nos incomodar. Nesse sentido, The Terror parece ser um dos melhores discos deles. Melodias etéreas para uma parafernália sonora quase inaudível. Dá vontade de chorar e chutar alguém simultaneamente. O show traduz tudo: “eu quero que vocês se fodam, mas antes vamos cantar juntos nesta bela noite”.


These New Puritans
Field Of Reeds
Existem artistas que utilizam de tudo que é atributo para soarem alienígenas. E na era eletrônica isso não parece muito difícil. Fato é que o These New Puritans me parece uma esfinge mesmo com uma música que existe praticamente só com piano e percussão. É uma banda quase inacreditável. As melodias são calóricas, os vocais harmônicos, as notas comuns. Porque então isso soa tão assustadoramente obscuro? Acho que Hidden (o álbum anterior), serviu muito bem para os caras aprenderem a orquestrar as tonalidades que fazem uma canção progredir, tornando-se cada vez mais musculosa. Aqui eles estão no limite do perfeccionismo. Um pequeno sino nos leva do total ostracismo a um momento de beleza angustiante. O melhor disco deles.


Yo La Tengo
Fade
Algumas bandas aprenderam a escrever dentro de um cercadinho musical que diz respeito não só a ela, mas a toda história de um gênero. Nesse sentido, Fade, é apenas mais um belo disco do Yo La Tengo. Já na faixa dos 50, o trio que explorou cada mínimo detalhe do noise, parece agora querer passar uma maturidade melódica. Aqui temos músicas escritas por artistas que dominam e respeitam até seus maiores defeitos. O resultado é um álbum “barriga-de-chope”, um acúmulo de passatempos que talvez não coubessem em seus discos mais ambiciosos. “Sometimes the good guys lose” observam em Ohm. A essa altura do campeonato não é pessimismo, é apenas a observação casual de uns caras bacanas.



Ramon R. Duarte

Bardo Pond
Rise Above It All
Duas faixas, dois covers que não parecem e não se resumem a covers, duas diferentes e incríveis adaptações de Funkadelic e Pharoah Sanders: esse é o Rise Above It All. Bardo Pond transforma duas canções já conhecidas em uma deliciosa viagem jam instrumental, prolonga a vida de “Maggot Brain” em uma jornada psicodélica inebriante, mais de 21 minutos de alucinação e de miragem heavy psych, a faixa percorre um trajeto crescendo que gradativamente contagia e incita o ouvinte em um fluxo quase que narcótico. O solo de guitarra incessante e denso constrói, junto com a bateria igualmente espessa, uma atmosfera de relaxamento em meio ao clima cáustico que o disco assume numa espécie de post-rock desértico – e nisso a capa do álbum explicita muito bem a sensação de oásis iminente que o mesmo provoca. Caminhamos, somos seduzidos pela repetição dos solos de guitarra intercalados à doçura dos instrumentos de sopro que fulminam ainda mais a profundidade do disco. Uma viagem astral das mais formidáveis, disparado um dos melhores álbuns de música instrumental que você não pode deixar de escutar em 2013.


Bemônio
Opscurum
Não é só da ceninha batida MPB-sambinha indie que vive a música brasileira, o cenário underground esconde grandes mentes da nossa música eletrônica e experimental. Paulo Caetano e Gustavo Matos dão vida ao projeto Bemônio que sobrepõe drone e noise a criar o dark ambient mais soturno possível. Com apenas uma música que, segundo a própria dupla, é dividida em nove interlúdios, o duo rege um freak show de extremos: não é completamente perdido nos experimentalismos doentios e tediosos de um harsh noise, porém sustenta de modo inteligente e regrado o mesmo desconforto, assim como consegue ser bem mais expansivo do que os trabalhos anteriores da dupla sem deixar sumir o desassombro de sempre. A faixa solitária convida, quase que obrigatoriamente, o ouvinte a ser igualmente sozinho nos seus 40 e poucos minutos de estupor, de inércia provocada pela inserção que o disco propõe e coage a vítima-ouvinte a acompanhar e mergulhar nesse pesadelo de gritos, distorções e escuridão.


Clouds
USB Islands
De imediato, é bom informar que o duo finlandês Clouds (Samuli Tanner e Tommi Liikka) já consegue uma proeza admirável nesse seu USB Islands: transformar a apatia entorpecedora do dubstep roots em algo minimamente interessante e converter os primórdios do que seria o famigerado brostep em uma experiência dançante que não causa preocupação por não deixar o ouvinte alienado e acéfalo, como também não vê razão em pertencer a autocracia da IDM. Aqui, Digital Mystikz e Horsepower Productions são revitalizados, elevados a uma nova experiência, não sobrevivem apenas de busto morto do pioneirismo. USB Islands trafega nos primórdios, mas com os pés firmes no presente e, ainda assim, ciente do futuro. As três primeiras faixas se encarregam de constituir justamente essa última afirmativa no melhor e mais apurado modo que possa consignar praticamente todo o disco. Os beats pesados entre bassline e grime dividem o tempo com orquestrações e samples incrivelmente bem distribuídos e organizados, o que ajuda a construir a atmosfera profunda e enevoada do álbum. Sem sombra de dúvidas a melhor exportação vinda na Finlândia nos últimos anos.


Dutch Uncles
Out Of Touch In The Wild
Algumas das críticas negativas em torno desse mais recente disco do Dutch Uncles se apoiam no fato dele ser limpo e correto demais. Ora, que idiotice! Engraçado, pois justamente o que escuto em Out of Touch in the Wild é o oposto, Touch in the Wild está longe de ser apenas correto ou simples nessa concepção rasteira de trivialidade, o que noto no álbum está mais para uma obra excessivamente complexa em sua proposta art-pop refinada e elegante, cada melodia é de uma sofisticação que beira o monumental, o regimento, que ao longo do disco ganha ares de pop progressivo, parece vindo das ideias mais grandiloquentes e exuberantes de Peter Gabriel em seu ápice megalômano no Genesis e em carreira solo. A produção é limpa, sim, mas não em seu sentido comum e pueril da palavra; afinal, onde está o habitual? Na semi-primazia de “Fester” e “Godboy”? A primeira com as suas incríveis orquestrações dançantes que não deixam em momento algum o “refinado” e “elegante” assumirem um caráter esnobe ou sisudo demais, pois Out of Touch in the Wild também consegue ser comercial sem deixar de lado o apreço pela complexidade das melodias, essas que em certos momentos parecem orientais, em outros parecem africanas, como ocorrem lindamente em ”Threads” sobre o regimento excêntrico de marimbas e xilofones. De uma coisa vocês podem ter certeza: Out of Touch in the Wild não é um disco simples, não mesmo! A não ser que a sua definição de simples seja completamente distinta da minha, pois para mim equivale muito bem a um dos álbuns mais asseados de 2013.


Jamie Lidell
Jamie Lidell
Demorei um bom tempo pra notar a força desse mais recente álbum do Jamie Lidell, a princípio tinha caído no mesmo abismo interpretativo de muitos ao tratá-lo como mais um revival, mais um disco-homenagem que tanto presenciamos nesse ano: Random Access Memories, We Are the 21st Century Ambassadors of Peace & Magic e The 20/20 Experience são alguns dos exemplos do baile nostálgico que contaminou a música em 2013. Mas não, ele não é (só) isso. “Só” porque ele, sim, também funciona como um angariamento de inúmeros gêneros, ícones e períodos da história da música; no caso, em particular, o synth funk e a soul music dos anos 70/80. Mas esse disco homônimo do Lidell não se limita à emulação automática e ao reverencialismo desregrado e gratuito que a maioria desses discos-homenagem estabelecem de modo presunçoso, o álbum do Lidell é muito, mas muito mais forte do que isso. Não gostaria de comparar, mas acredito que seja inevitável: Justin Timberlake, esse sim, com o seu enfado de poucos bons momentos, o The 20/20 Experience, como disse anteriormente, pertence ao grupo que citei. Diferente da tentativa de epopeia neo-soul que Justin propôs em 20/20, Lidell pouco está preocupado em soar grandioso em seu disco, o compromisso dele, inicialmente, é apenas entreter, não há faixas e mais faixas gigantescas e chatas que se perdem depois de um tempo, não há exibicionismo fastidioso; existe, sim, a distração de Lidell que involuntariamente pode soar presumido pelos exageros que o disco nutre de forma propositada. Pois foi aí que me eclodiu a epifania de constatar a veemência de Lidell nesse seu álbum, o músico britânico traz para a atualidade o synth funk kitsch dos anos 70, ressuscita o Soul Train em pleno 2013. Entre toda a sensualidade funk ainda há espaço para o dark-jazz pop futurista de “why_ya_why” e os experimentos de Sun Ra que são condensados inteligentemente por Lidell. Não víamos um disco pop tão exagerado, e tão consciente dos seus excessos, desde os agudos estridentes e solos triunfantes de guitarra de Prince em Purple Rain, Lidell consegue traçar o meio termo entre o Prince alucinado em início de carreira, da breguice indecente que contagia na chuva púrpura ao Prince cerebral-estúpido-sério-visionário, e não menos divertido, de Sign o’ the Times. Uma façanha! Fico feliz por ter atinado pra isso a tempo, pois agora aplaudo de pé. Lidell, meus parabéns!


Pere Ubu
The Lady From Shanghai
Há quem enxergue desvirtuamento ou até mesmo atrevimento por parte do Pere Ubu depois que a banda assumiu uma sonoridade mais habitual e menos, digamos… bem menos exótica. Pois eu vejo justamente o oposto, percebo um Pere Ubu, sim, nitidamente menos conceitual e mais “preocupado” (coloque muitas aspas nisso) em ser acessível; entretanto, também noto uma banda em contínuo processo de evolução, ciente da condição progressiva que a música possui. Muitas bandas morreram e morrem no tempo por conta disso, é animador notar esse sentimento e percepção de renovação que a banda adquiriu atualmente, é importante distinguir essa vontade, essa sede de aperfeiçoamento – por que não? – que o Pere Ubu vem demonstrando nos últimos anos, de estabelecer um firmamento entre o pop e o avant-garde. Como bem disse uma vez David Thomas: “Pere Ubu não é uma banda experimental, nós sabemos exatamente o que estamos fazendo.” E sabem mesmo, em The Lady From Shamghai eu tenho plena convicção disso, no melhor e mais surpreendente dos resultados.


Sir Kay
Two Cats
Existe pouca informação na internet sobre o Sir Kay, nem mesmo o seu nome verdadeiro (se é que Sir Kay é realmente o seu nome) consta em sua página no Bandcamp; o músico, com nome de filho adotivo do Rei Arthur, é mais um das ótimas crias que a internet nos possibilita encontrar pelos garimpos no mundo da música. Em sua breve descrição na parte de informação do Bandcamp, Sir Kay se diz constantemente à procura de sons que foram esquecidos, também podemos notar que Two Cats é o único álbum disponível para audição, o que nos leva a crer que seja o seu primeiro disco. Um dos fatos mais interessantes de Sir Kay é como ele confecciona as suas melodias, já na primeira faixa, a ótima “CWCIII”, podemos notar que há inicialmente um pequeno e curioso flerte com um esboço de jazz fusion, isso fica evidente na parte instrumental notável onde Kay surge como o grande mentor de tudo – algo que parece involuntário, já que o mesmo não menciona como referência em sua página. A bateria ágil e marcante se mistura com os vocais arrastados de Kay criando um semblante que, por vezes, insinua ser shoegaze, insinua ser trip hop, mas nunca o é, tudo funciona basicamente como acessório, com um detalhismo que beira o perfeccionismo. Kay abandona por um momento o centro da obra para que ela incorpore elementos de música ambiente em ”Even The Angels Never Seen God”, mas ele retorna e aos poucos o disco vai tomando uma feição slowcore, principalmente nos acordes simples de violão e guitarra, e igualmente na voz de Kay, que se mantém sempre sereno, distante, perdido e sozinho no caos urbano que vemos na capa do álbum. Kay não compartilha a sua tristeza, uma angústia seca e direta, um minimalismo sentimental que lembra os trabalhos do Low e do Red House Painters, dá mesma forma é notável a sensibilidade de um American Football, ainda que novamente não transpareça como influência direta. “Você é todos os dias pra mim”, Kay repete somente isso durante os 3 minutos da sétima faixa do disco. Não sabemos o que é, não sabemos quem é, não sabemos por que ele está assim, mas sabemos que há algo, algo que faz despertar essa empatia automática diante do indecifrável.


Steven Wilson
The Raven That Refused to Sing (And Other Stories)
Certamente Steven Wilson é o grande nome do rock progressivo atual, poucos captam tão bem como ele capta a essência pop e empírica do gênero. Há em Steven um espírito afetado e grandiloquente de um Roger Waters, porém há igualmente a engenhosidade de um Robert Fripp, os malabarismos instrumentais de Wilson não são gratuitos como em grande parte das bandas que tentam enveredar por um caminho mais “sério” e menos popularesco de um Muse da vida – e que na maioria das vezes acabam sendo só chatas mesmo, o prog-rock italiano sabe muito bem disso. Wilson se apropria com consciência de sua precisão, com sabedoria de sua competência enquanto instrumentista, não esbarra na própria vaidade, os minutos e mais minutos de cada faixa passam tão graciosamente que nem percebemos, é tudo muito bem arquitetado. Steven Wilson nos mostra cada vez mais o seu traquejo musical, a sua mente insaciável que vai além do Porcupine Tree, que se expande pelos seus inúmeros projetos paralelos e na sólida carreira solo. Isso sem contar que The Raven that Refused to Sing tem, disparado, uma das melhores faixas de abertura de um disco em 2013: “Luminol” é extasiante!


Verwüstung
Tunnel Ghosts
Nos últimos anos o black metal tem sido o gênero musical que mais me surpreendeu positivamente, só no ano passado me deparei com clássicos modernos e discos extremamente instigantes. O descompromisso com o comercial e a ausência de limites que o gênero propõe, em sua concepção, é algo completamente saudável e que possibilita à música uma margem imensa de criatividade e liberdade sonora. Foi assim em In Somniphobia, na maluquice avant-garde pop da fábula onírica do Sigh, um dos álbuns mais extravagantes de 2012, um disco que soube atrelar muito bem o comercial e o experimental sem prevalecer hierarquicamente nenhuma das faces da moeda; o mesmo se repetiu no mundo escatológico e doentio de Abu Lahab em seu Humid Limbs of the Torn Beadsman, esse que para mim é disparado o melhor disco de 2012, assim como um dos álbuns mais importantes não só para o black metal atual, mas também para outras vertentes da música experimental e do heavy metal. Tunnel Ghosts, debut do Verwüstung, projeto de um homem só (Chris Broyles), também figura nessa lista de surpresas proporcionadas pelo metal extremo. A diferença é que Verwüstung se apropria de uma raiz lo-fi, que já é característica da cena, para construir o seu conceito de black metal. Não é de estranhar a admiração que “Camellias In Bloom” causa pela sua placidez nos dedilhados de violão que abrem as portas na primeira faixa do disco, sensação bem semelhante aos violinos de ”Welt aus Eis” do disco homônimo de 1999 do Paysage d’Hiver. É o encontro entre extremidades, o antagonismo de situações distintas, apesar de em Tunnel Ghosts a diferença ter lá os seus objetivos em comum; poucas vezes lo-fi e black metal fizeram uma dupla tão interessante.


Wakusei Abnormal
Nandemonai Kyoki
Estamos constatando um recente semeio global e nocivo da música pop, um processo que pode transformá-la gradativamente em um produto mecânico de validade tacanha, que pode reduzi-la a algo minimamente comercial e que não vai além do seu valor ínfimo de mercadoria. Pois bem, Wakusei Abnormal é fruto dessa curiosa massificação da mediocridade, da equidade ofensiva dos valores qualitativos e quantitativos que a música pop estabeleceu no pós-modernismo de charts, visualizações e compartilhamentos da era digital, mas, por ventura, Wakusei é um fruto não contaminado. Números parecem importar mais no cenário atual, os ícones não existem mais, pelo menos os atuais, raros são os que sobrevivem do contraste entre o sucesso adjacente e o zeitgeist de 15 minutos, a música pop vira cada vez mais uma competição a sobrepor status à qualquer manifestação artística. O pop asiático ganhou o mundo, o mundo ganhou uma praga. Felizmente, Nandemonai Kyoki foge à regra em Nandemonai Kyoki por nos entregar uma obra sem a tontice e infantilidade dos seus conterrâneos do j-pop, há sobriedade em Nandemonai Kyoki, algo que parece atributo raro no nicho. As meninas do Nandemonai Kyoki - são um duo - merecem todos os elogios por acenderem uma faísca de lucidez não só no pop japonês, mas no pop asiático. Por isso, fica aqui a minha menção e o meu sincero e surpreso obrigado.

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